Pequena Epifania

- A busca pela felicidade plena é um dos nossos maiores erros, pois ela não existe.E todos, quase todos, buscam incansavelmente o que é inalcansável. A felicidade é algo tão individual como nossos próprios corpos.A minha felicidade ora são muitas coisas, e ora coisa nenhuma além de mim mesmo .A felicidade de um bêbado é beber até não poder mais e não cair.A felicidade de uma ave é voar, é estar próxima do céu. A felicidade de um drogado é um monte de pó, veja só, um monte de pó!...
- Pois não é?!
- Acredita, companheiro, que um amigo de um amigo, entre uma fungada e um delírio, acabou por cheirar a própria mãe cremada?
-Oh!
- Qual!... Decerto, achei um triste infortúnio de início. Como pode, companheiro, o filho fungar a própria mãe finada? Mas, passado o susto da imaginada cena, coloquei-me a dar gargalhadas da situação.O homem nasce do pó e morre pó, não é o que diz O Livros dos livros? Grande ironia...
- Grandíssima, companheiro.E o que a vida senão uma enorme ironia entre muros?
- Nada! Bebâmos!
- Bebâmos!

Minha Vida

Tem lugares que me lembram
Minha vida, por onde andei
As histórias, os caminhos
O destino que eu mudei...

Cenas do meu filme
Em branco e preto
Que o vento levou
E o tempo traz
Entre todos os amores
E amigos
De você me lembro mais...

Tem pessoas que a gente
Não esquece, nem se esquecer
O primeiro namorado
Uma estrela da TV
Personagens do meu livro
De memórias
Que um dia rasguei
Do meu cartaz
Entre todas as novelas
E romances
De você me lembro mais...

Desenhos que a vida vai fazendo
Desbotam alguns, uns ficam iguais
Entre corações que tenho tatuados
De você me lembro mais
De você, não esqueço jamais...




Rita Lee
Composição: John Lennon E Paul Mc Cartney

D'Amar


Mania da gente pensar, às vezes, que o amor não acontece.E que se acontece, acaba.E que se acaba, nunca aconteceu. O amor acontece e acaba, finito como tudo que há no mundo.Ou não, estendendo-se no infinito d'alma.Sim, porque alma é coisa a parte desse mundo. Não existe fórmula, fatos e função Amar. Não existe regra, rumo. Verdade? Enquanto sim. Dor? Enquanto não. Alegrias? Quando nasce. Não é quanto, não é como, não é até. Amar é esse tudo-nada-tudo. É concreto só dentro, só no desconhecido, no impalpável existir. É de compreender sem entender e de sentir, sem saber sentido. Amor é uma interrogação,marcada a ferro e fogo dentro da gente.

-Juliana Poêys

'Quero ser a cicatriz risonha e corrosiva; Marcada a frio, a ferro e fogo; Em carne viva' (Chico Buarque)

Epigrama No. 8

'Encostei-me a ti, sabendo bem que eras somente onda.
Sabendo bem que eras nuvem, depus a minha vida em ti.
Como sabia bem tudo isso, e dei-me ao teu destino frágil,
fiquei sem poder chorar, quando caí.'

Cecília Meireles


"Promenade", de Marc Chagall

Valsa Brasileira

Vivia a te buscar
Porque pensando em ti
Corria contra o tempo
Eu descartava os dias
Em que não te vi
Como de um filme
A ação que não valeu
Rodava as horas pra trás
Roubava um pouquinho
E ajeitava o meu caminho
Pra encostar no teu

Subia na montanha
Não como anda um corpo
Mas um sentimento
Eu surpreendia o sol
Antes do sol raiar
Saltava as noites
Sem me refazer
E pela porta de trás
Da casa vazia
Eu ingressaria
E te veria
Confusa por me ver
Chegando assim
Mil dias antes de te conhecer

Chico Buarque

A música, lindíssima, logo embaixo :)
http://listen.grooveshark.com/#/search/songs/?query=valsa%20brasileira

Coeur

Todos os dias meu peito me fisga a atenção.Uma pontada aguda, dessas que fazem contorcer os sentidos, que forçam os olhos a ficarem apertados, que comprimem a mão contra o centro, entre os seios.Naquele instante, na dorzinha miúda e fugaz, recordo: ainda vive.E é tão bonito...ora forte, ora fraco,ora forte, ora frágil.Pulsa incansável,de contar pendular o tempo que se ama, os passos que se anda, os danos, os anos...Sempre ali, dócil, saudoso, servil. O coração é o benfazejo guardado dentro, é o intermitente despertar, é a única parte de nós que ecoa, canta, que é melodia de se ouvir no silêncio.

Não Vale a Pena

Maria Rita
Composição: J. E P. Garfunkel

Ficou difícil
Tudo aquilo, nada disso
Sobrou meu velho vício de sonhar
Pular de precipício em precipício
Ossos do ofício
Pagar pra ver o invisível
E depois enxergar

Que é uma pena
Mas você não vale a pena
Não vale uma fisgada dessa dor
Não cabe como rima de um poema
De tão pequeno
Mas vai e vem e envenena
E me condena ao rancor
De repente, cai o nível
E eu me sinto uma imbecil
Repetindo, repetindo, repetindo
Como num disco riscado
O velho texto batido
Dos amantes mal-amados
Dos amores mal-vividos
E o terror de ser deixada
Cutucando, relembrando, reabrindo
A mesma velha ferida
E é pra não ter recaída
Que não me deixo esquecer

Que é uma pena
Mas você não vale a pena.


Música: http://listen.grooveshark.com/#/s/N+o+vale+a+pena/1VuIjs

Perfil

Ultimamente o que eu tenho sido é meu próprio objeto de estudo.Todas as teorias são duvidosas, as experimentações são falhas e a conclusão está longe de ser acabada.Esse entender-me pouco não é acomodação, ao contrário, é fator que me motiva a descobrir o que de mim não sei.E haja 'não saber' ... Um dia sou negra, outro branca, outro asiática, outro muçulmana.Um dia sou de Buda, outro de Alá, outro de Jesus Nosso Senhor.E há dias que não sou de ninguém, nos dias de má ( ou nenhuma) fé.Nada me engrandece mais do que o amor que dói.Aquele amar odiosamente, que conforta e amedronta, que dá e tira a vida quando quer, que não respeita os dias de branca paz. Esse amor limítrofe e então intenso, de libidinosa culpa e de total arrebatamento. A cada segundo faz-se em mim coisas inimagináveis, personagens sem pé nem cabeça, aberrações sentimentais e por vezes a fatalidade da completa sanidade. Eu nego a sanidade por completo, adoro a loucura.Sem essa loucura é impossível manter-me viva.

Meus olhos teus

Eu olhei para aquela fotografia e pela primeira vez não tive vontade de chorar.Fiquei com os olhos juntos, tão juntos dela, que a imagem quase ficou impressa na minha retina, fazendo olhos pra você.E eu só pensava na saudade que eu tinha, na vontade que eu tinha de dizer: Sinto tanto a tua falta...sinto tanto a tua falta...Assim mesmo, como um mantra, que de tanto cantar atrai.E quem me vê exerga bem no fundo, ali, onde acaba o mundo e começa o sentido de existir, que eu só tenho olhos d'alma para te saber, sem sentir.

Soneto Antigo

Responder a perguntas não respondo.
Perguntas impossíveis não pergunto.
Só do que sei de mim aos outros conto:
de mim, atravessada pelo mundo.

Toda a minha experiência, o meu estudo,
sou eu mesma que, em solidão paciente,
recolho do que em mim observo e escuto
muda lição, que ninguém mais entende.

O que sou vale mais do que o meu canto.
Apenas em linguagem vou dizendo
caminhos invisíveis por onde ando.

Tudo é secreto e de remoto exemplo.
Todos ouvimos, longe, o apelo do Anjo.
E todos somos pura flor de vento.

Cecília Meireles.
Eu amo tudo o que foi,
Tudo o que já não é,
A dor que já me não dói,
A antiga e errônea fé,
O ontem que dor deixou,
O que deixou alegria
Só porque foi, e voou
E hoje é já outro dia.


Fernando Pessoa

Vontade

- Quis descobrir de onde vinha essa minha vontade de nada, e consegui. É que estou farto de querer tanto e com tanta vontade e conseguir pouco, bem pouco, ou quase nada.Mas sabe...ainda assim, me dou o prazer de querer muito qualquer coisa, querer até sentir o que se quer no fundo d'alma. Essa vontade é um vinho bom de beber, de se embreagar até cair de sono.Sonhamos, podemos tudo, temos o que queremos... Duro é a ressaca do pós-sonho-bom no dia seguinte. O peito dói tanto que nem dá pra sentir a cabeça doer. E a dor se espalha feito tumor, carcomendo tudo, se espalha feito agouro na alma, até deixar cair doente, de enlouquecer doendo. Mas a vontade é assim, como vício. A última dose não mata.Dá sede.

Soneto da Separação


De repente do riso fez-se o pranto
Silencioso e branco como a bruma
E das bocas unidas fez-se a espuma
E das mãos espalmadas fez-se o espanto.

De repente da calma fez-se o vento
Que dos olhos desfez a última chama
E da paixão fez-se o pressentimento
E do momento imóvel fez o drama.

De repente, não mais que de repente
Fez-se de triste o que se fez amante
E de sozinho o que se fez contente

Fez-se do amigo próximo o distante
Fez-se da vida uma aventura errante
De repente, não mais que de repente.

Vinícius de Moraes

[...]

- Eu nunca quis tanto você como quero agora. Não há um dia sequer que não te desejo, que te toco, mordo, mastigo e cuspo dos meus sonhos todos pro futuro. Eu precisei ver você se perder de mim pra que eu pudesse te procurar, e te achar, e te perder.Eu quero esse teu amor de menininha, puro e quase infantil, que é como o amor deve ser.Eu quero esse teu calor de moça , esse calor que lambe as pernas, que consome tudo por dentro.Eu me arrependo de te der dado pouco, quando me destes tudo o que tinha...Tuas roupas, teu futuro, tua sanidade...Ah...milênios seriam migalhas de tempo pra minha vontade de te fazer o mais feliz de todos os seres.
- O que quer então que eu faça ? Que te dê o tanto amar que negou às pressas? O que quer de mim?
- Exista.Quero que apenas exista.

Saudade

Tenho com saudade de 'casa'
da praia, do pôr-do-sol
de pôr no ser alguma coisa de mar
amar...talvez.
Tenho vontade de tudo, do seu,
vontade revés de ter vontade, coisa inacadada
que de esperar só adia,
e não adianta nada.

Metamorfosear

‘Tudo quanto vive, vive porque muda; muda porque passa; e, porque passa, morre.’ , afirmou Fernando Pessoa. A mudança nasce da morte do velho que faz-se novo e este novo tornar-se-á velho.A mudança é coisa permanente e vive assim, em ciclos.
Um dia após o outro, diferentes todos, é a possibilidade por si só de mudarmo-nos.Ou poderíamos dizer que são a própria mudança, um tanto ‘parcelada’, dividida em pequeníssimos pedaços cotidianos. O mundo muda todo o tempo porque todos nós mudamos todo o tempo a nós, a nossa volta e aos outros, tacitamente ou propositalmente. A mudança também depende do querer modificar, metamorfosear.
Porém, mais fácil é perceber a mudança brusca, o fato que nasce e morre diante dos olhos, a transitoriedade em curto espaço de tempo, a noite em dia, o dia em noite, as coisas que se movem... A mudança só surge daquilo que morre,e há no mundo tempos e tempos de ‘morrer’. O próprio tempo é algo que nasce e morre todo o tempo.
Há o tempo de matar as horas, ocupando-as. Então a mudança é cronológica e , por tanto , ‘controlável’. Há o tempo de esperar, que é nada senão adiar a mudança. E há o tempo de matar sentimentos, criando outros em seu lugar. Essa mudança é atemporal, pois sentimentos mudam todo o tempo, em nós e de em si mesmos.
Então, chegamos ao âmago do que é estar vivo. Viver é ser passageiro de si mesmo , das coisas, do tempo. A vida vive pedindo pra que a gente mude.As pessoas pedem pra que a gente mude.Nós mesmos nos fazemos outros. A mudança é um imperativo necessário e só através dela a vida acontece.
Pois , quem não muda vive sempre à margem de si mesmo, daquilo que poderia ser, poderia sentir , poderia existir. Aprisiona-se dentro de si, põe cabrestos na alma e sufoca a capacidade de fazer-se qualquer um, fazer-se algo, fazer-se outro. Mudar é conhecer o ilimitável poder de criação do homem.

Juliana Poêys

( Putz...pior que esse tema pra redação, só escrever sobre Loucura :o)

Desencanto

Leve então
O resto desta ilusão
E todos os cuidados meus
Brinquedos dos caprichos

É pena porque foi tão lindo amar
Sentir você sonhar tão junto a mim,
Ouvir tanta promessa,
Fazer tanta esperança,
Pra hoje ver lembrança, tudo enfim

Nâo passou
De um triste desencanto, amor,
E desde então eu canto a dor
Que eu não soube chorar.

Chico Buarque

Alva

Não passa, não passou. A dor que me vela não descansa, não tem pálpebras, nunca desvia o olhar.Essa vigilância sufoca, amedronta, intimida, enlouquece.Cansei de insistir na réplica 'Estou bem, sobrevivo',com os olhos voltados pro nada.Os olhos da dor enxergam bem mais,chegam ao âmago d'alma, ultrapassam os limites da carne, do senso, da sanidade.Esses olhos que insistem em me fitar todo o tempo, que me vigiam pelo meu eu que vara madrugadas, escurecendo.Quero novos olhos à me vigiar, quero outra alma a me rodiar, quero outra vida, quero me invadir, me dar ou deixar ir.Não dormir, ou não mais despertar.

Com licença poética

Quando nasci um anjo esbelto,
desses que tocam trombeta, anunciou:
vai carregar bandeira.
Cargo muito pesado pra mulher,
esta espécie ainda envergonhada.
Aceito os subterfúgios que me cabem,
sem precisar mentir.
Não sou feia que não possa casar,
acho o Rio de Janeiro uma beleza e
ora sim, ora não, creio em parto sem dor.
Mas o que sinto escrevo. Cumpro a sina.
Inauguro linhagens, fundo reinos
— dor não é amargura.
Minha tristeza não tem pedigree,
já a minha vontade de alegria,
sua raiz vai ao meu mil avô.
Vai ser coxo na vida é maldição pra homem.
Mulher é desdobrável. Eu sou.

Adélia Prado

Feliz Dia Internacional da Mulher! :)

Em mim também

Em mim também, que descuidado vistes,
Encantado e aumentando o próprio encanto,
Tereis notado que outras cousas canto
Muito diversas das que outrora ouvistes.

Mas amastes, sem dúvida ... Portanto,
Meditai nas tristezas que sentistes:
Que eu, por mim, não conheço cousas tristes,
Que mais aflijam, que torturem tanto.

Quem ama inventa as penas em que vive
;
E, em lugar de acalmar as penas, antes
Busca novo pesar com que as avive.

Pois sabei que é por isso que assim ando:
Que é dos loucos somente e dos amantes
Na maior alegria andar chorando.


Olavo Bilac

Revide

- A verdade é que eu quis você como um refúgio, eu quis você pra me ausentar da vida monótona, das pessoas monótonas, da loucura que é a monotonia.Nada muda, nada vive, tudo-nada na monotonia da minha vida antes de você chegar.E, de repente, tudo me invadiu como um exército em fúria, queimando vilas, matando medos, saqueando sentidos, vencendo os sentimentos.Eu senti tudo, senti tudo de novo, senti tudo várias vezes. Até não saber mais sentir, sentido, saber. Eu não estava mais em mim quando quis dar por mim.Eu te rondava e me olhava e pensava: 'Pobre garota...Não vê que meus olhos não param nos teus? Não vê que essa tua parte, essa que te olha, não me invade? Sou sujo, sórdido, Ácido. Tua docura, se me tomasse, me mataria. Teu amor, se me habitasse, morreria sem nascer.' E eu te quis.Eu te quis de novo, te quis outro, te quis invadir, te quis habitar.Me quis matar e te fiz morrer, em mim.

O Outro

só quero
o que não
o que nunca
o inviável
o impossível

não quero
o que já
o que foi
o vencido
o plausível

só quero
o que ainda
o que atiça
o impraticável
o incrível

não quero
o que sim
o que sempre
o sabido
o cabível

eu quero
o Outro.

Chacal

Amargor, amor.

Amarga tu
Amargue ele
Amarguemos nós.
Eu amargaria
Tu amargarias
Ele amargaria.
Nada ampara e só faz amargar,
quem não sabe amar.
No descuido do particípio passado:
amargado.
No infinito impessoal
por amargar eu
por amargares tu
por amargar ele
fez-se desamor, desigual.