Os versos que te fiz

Deixa dizer-te os lindos versos raros
Que a minha boca tem pra te dizer !
São talhados em mármore de Paros
Cinzelados por mim pra te oferecer.

Têm dolência de veludos caros,
São como sedas pálidas a arder ...
Deixa dizer-te os lindos versos raros
Que foram feitos pra te endoidecer !

Mas, meu Amor, eu não tos digo ainda ...
Que a boca da mulher é sempre linda
Se dentro guarda um verso que não diz !

Amo-te tanto ! E nunca te beijei ...
E nesse beijo, Amor, que eu te não dei
Guardo os versos mais lindos que te fiz!

Florbela Espanca


(A música é uma graça :)- http://www.youtube.com/watch?v=2CjARzPo6p8 .Só copiar e colar! )

O Grito

Creio que me cabe saber de mim apenas a ponta do iceberg.Todo resto, gelo submerso, meu consciente não ousa desbravar.Tenho apenas lembranças, veladas no meu 'eu' desbravador , que apesar do langor, vaga a descobrir o que de mim não sei.Minha outra parte espera, presa ao toucador, enfeitar-se do alvor d'alma que o descobridor me traz.Sou o rendez-vous dessas duas partes, mas sou também coisa à parte disso tudo.Desconheço o que de mim é sonho, o que de mim acorda, o que em mim nasceu e o que pacede e morre.Então, com uma convicção tão pouco lúcida, afirmo: não vivi.Não conheço o prazer de estar viva, mas talvez o desprazer eu já tenha encontrado.Vivo neste onirismo, onde só desperto quando a alma grita.

Antologia

A vida
Não vale a pena e a dor de ser vivida
Os corpos se entendem mas as almas não.
A única coisa a fazer é tocar um tango argentino.

Vou-me embora pra Pasárgada!
Aqui eu não sou feliz.
Quero esquecer tudo:
– A dor de ser homem...
Este anseio infinito e vão
De possuir o que me possuí.

Quero descansar
Humildemente pensando na vida e nas mulheres que amei...
Na vida inteira que podia ter sido e que não foi.

Quero descansar.
Morrer.
Morrer de corpo e de alma.
Completamente.
(Todas as manhãs o aeroporto em frente me dá lições de partir.)

Quando a Indesejada das gentes chegar
Encontrará lavrado o campo, a casa limpa,
A mesa posta,
Cada coisa em seu lugar.

Manuel Bandeira

Este Seu Olhar

Este seu olhar quando encontra o meu
Fala de umas coisas
Que eu não posso acreditar
Doce é sonhar, é pensar que você
Gosta de mim como eu de você

Mas a ilusão quando se desfaz
Dói no coração de quem sonhou
Sonhou demais, ah! se eu pudesse entender
O que dizem os seus olhos

Tom Jobim


Você tem todos os truques pra me enlouquecer, todos.E eu finjo desconhecer esses tantos truques que conheço bem.Me permito surpreender como todos eles, como a primeira vez.Não resisto ao seu jeito de se aproveitar da minha vulneralibidade, de me provocar sem medo de reprovação, de dizer das suas vontades mais íntimas sem pudor algum.Bebo cada palavra de afeto e me inebrio, entonteço com furor.Lembro do sorriso e olhos.Juntos fazem convite à perfeição.Irrecusável, inadiável.Me forço a conhecer mais cada parte sua, ler nas entrelinhas cada pensamento teu, cada medo, um sonho grande.Escuto atenta cada palavra sobre sua bagunça íntima, sobre o dia corrido cheio de labutas irresolutas.E faço prece, te afago com palavras doces, que é pra completar seu solilóquio diário, te deixar mais leve e aliviar o cansaço.Eu que acabo de chegar, que sei tão pouco de tudo e me entendo tão bem quando te descubro.Pequena parte de um dia, pequena parte da linha da vida, pequena grande em amar.
Ju Poêys

Antes de tudo : o Revival

Bem...esta é minha nova cria.Digo cria pois cada texto é, sim, um parto.Uma parte criada aqui dentro, concebida Deus sabe quando, que uma hora dá de nascer.E, como filhos, não são de todo meus.São do mundo ou para ele, para quem quiser sê-los e recebê-los. Livres, tem vida própria.Falam por si, respiram por si, transitam por si.Minha cria já extinta, o Infinito Particular, tratava bem disso.Faria aqui um revival, contando as peripécias e angústias confessadas ali, mas não posso lembrar todas.Dentre os filhos jazidos, lembro 'O Amor' .Devasso, sedutor, iludindo as garotinhas.Farsante, cambista de almas, um fingidor.O 'Outro Divã' , que contava divertido e faceiro a aventura de um quarentão solteiro em um consultório de psiquiatria.Uma versão pouco menos criativa e sensível do livro Divã, de Martha Medeiros.Alguns mais contidos, outros sufocadamente apaixonados, metalinguísticos, inconfessavelmente confessáveis, outros já de conhecimento notável na literatura.Drummond, Pessoa, Florbela, Chico Buarque e outros tantos habitavam o Infinito Particular e ainda habitam a minha particularidade infinitamente apaixonada pela escrita.Mesmo perdidas as crias, ainda resta a matéria-prima,a matriz, a mãe de todas as ideias.A criatividade.Esta vive.