Apelo

Não te quero ver triste
deixe tuas lágrimas comigo,
delas eu sei cuidar.
Vou moldá-las em forma de diamante,
emoldurar em um círculo áureo ofuscante,
e usar quando for de casar.
Não te quero triste
pouse teus olhos vagantes
nos meus olhos amantes dos teus.
Pouse tuas mãos na minha boca
tua boca no meu ventre...
Teu ventre em movimento.
Te quero atento, vivaz
quente, voraz, louco.
Engulo um beijo amargo,
escuto teu peito rouco,
afago teu ego, afogo teu mal.
Só não te quero triste.
Meu peito não resiste a dor,
pela dor que te assiste.


Carinhoso

Meu coração, não sei porquê
Bate feliz quando te vê
E os meus olhos ficam sorrindo
E pelas ruas vão te seguindo
Mas mesmo assim
Foges de mim

Ah, se tu soubesses como sou tão carinhoso
E o muito, muito que te quero
E como é sincero o meu amor
Eu sei que tu não fugirias mais de mim

Vem, vem, vem, vem
Vem sentir o calor dos lábios meus a procura dos teus
Vem matar essa paixão que me devora o coração
E só assim então serei feliz
Bem feliz


Pixinguinha/João de Barro



Prelúdio

Sentei-me à beira da cama, as pernas soltas, um pé tocando em ponta o chão.Ele , deitado a minha esquerda, parecia entreter-se com qualquer coisa no teto do quarto, qualquer coisa que eu não pudesse ver.Fixei-me na porta e senti meus pêlos eriçarem com um vento frio que me acertou a pele quente.Senti secar a garganta, a face empalidecer, os olhos marejarem.Acordei do transe assim que meu companheiro ensaiou levantar.Sentou-se como eu e em frente a mim , refletindo-me.O frio o atingiu também.
- Me dói pensar que ao sair por esta porta eu, talvez, hei de deixar também a tua vida- falei baixo, para não assustar o silêncio.
Ele sorriu, certamente por compaixão.Mas seus olhos não sorriram.Estavam tão mudos e quietos como todos os sentimentos dentro de si.Pude sentir meu peito solidificar, enrijecer, comprimir e expandir como um bloco de gelo.Olhos não são capazes de mentir.E não mentem.Talvez os nossos estivessem unidos por menos um minuto, mas senti passarem anos, décadas, milênios de uma tortura branda e infinitamente algoz.Desviei os meus para baixo, para minhas mãos pousadas imóveis sobre as pernas dele.Fugidia, fraca, apaixonadamente mórbida.Éramos duas estátuas meio vivas, meio sãs, meio amáveis.Duas criaturas que precisavam de outra criatura, e por que não ser um para o outro? Por que não havia de ser eu sua criatura? Meus olhos então voltaram a ler o ser que mais estimei na vida.Percorri os dedos tortos do pé, os joelhos, admirei a pele branca, os pêlos negros.As coxas, minhas mãos sobre elas.O sexo, o peito nu, o pescoço rijo, o queixo, lábios, dois riscos paralelos, e olhos.
- Feche os olhos - eu disse.
Ele os fechou, sem me questionar.Senti minha pupila liquefazer-se .Cerrei os punhos, aninhando os dedos lentamente na palma da mão.As mãos subiram fracas até tocar o nada, em mesma linha, como duas partes iguais, recém separadas.Então, as duas partes tocaram o rosto deste que era meu passado presente, a recordação de algo que eu vivia ainda, naquele exato momento.Os dedos soltaram-se e pousaram um a um na face , imóvel e insensível aos meus estímulos.Meu polegar percorreu suas sobrancelhas e o resto do trajeto até o queixo anguloso foi feito pelo indicador.Os quatro dedos voltaram, percorrendo as maçãs do rosto e os polagares uniram-se, tocando os lábios, afrouxando-os.Eram quentes e eu ainda me lembrava disso.Com o indicador, toquei-o entre as sobrancelhas e desci o espaço curto e íngrime do nariz, até fazer a subida e precipitar pela ponta.Foi então, com este meu despenhar, que ele abriu os olhos.
- O que você fez? - perguntou, fitando-me.
Senti crepitar o peito, a água fria cercando o gelo.Olhei seus olhos cristalinos e impuros, antagônicos de si e dos meus.Baixei a voz.
- Conhecendo teu rosto.- silenciei, preenchendo os pulmões-Desconheço forma mais terna e verdadeiramente humana de conhecer o rosto de alguém.Cada curva, cada pausa, o quente, o frio, o duro, a maciez.As formas, tramas, tensões, texturas.As tenras expressões, rudimentares impressões, o subjetivo ao toque da mão.Quero te ter sempre à mão dos meus pensamentos.Sempre.

Esta Velha

Esta velha angústia,
Esta angústia que trago há séculos em mim,
Transbordou da vasilha,
Em lágrimas, em grandes imaginações,
Em sonhos em estilo de pesadelo sem terror,
Em grandes emoções súbitas sem sentido nenhum.

Transbordou.
Mal sei como conduzir-me na vida
Com este mal-estar a fazer-me pregas na alma!
Se ao menos endoidecesse deveras!
Mas não: é este estar entre,
Este quase,
Este poder ser que...,
Isto.


Um internado num manicômio é, ao menos, alguém,
Eu sou um internado num manicômio sem manicômio.
Estou doido a frio,
Estou lúcido e louco,
Estou alheio a tudo e igual a todos:
Estou dormindo desperto com sonhos que são loucura
Porque não são sonhos.
Estou assim...

Pobre velha casa da minha infância perdida!
Quem te diria que eu me desacolhesse tanto!
Que é do teu menino? Está maluco.
Que é de quem dormia sossegado sob o teu teto provinciano?
Está maluco.
Quem de quem fui? Está maluco. Hoje é quem eu sou.

Se ao menos eu tivesse uma religião qualquer!
Por exemplo, por aquele manipanso
Que havia em casa, lá nessa, trazido de África.
Era feiíssimo, era grotesco,
Mas havia nele a divindade de tudo em que se crê.
Se eu pudesse crer num manipanso qualquer —
Júpiter, Jeová, a Humanidade —
Qualquer serviria,
Pois o que é tudo senão o que pensamos de tudo?

Estala, coração de vidro pintado!

Álvaro de Campos

Desassoss(ego)

Queria entender esse teu ego.Esse teu jeito de chegar perto quando outrem vem nos ameaçar.Então você me prende, mostra os dentes e depois me solta, nesse não pega e não quer deixar.E me possui em pausas, me toma fundo e gozas, desse meu nunca cansar de jogar.Sou presa quieta, sou presa que não contesta e não tenta se desvencilhar.Sou tua presa quente, a que alimenta o teu ego nunca meio cheio.É sempre inteiro de si, sempre à parte de mim e sempre a me procurar.Teu ego tem sede do meu sexo, mas não de mim.Teu ego tem o tamanho da tua sede e não de tudo mais que eu posso te dar.Teu ego egoísta, a ti te nega o prazer, a dor, o amor, a fé. Mas cá estou, presa, deste dar-me em demasia, que hora é teu e outrora também é teu.Eu, egoísta também de mim.

O Meu Amor

O meu amor tem um jeito manso que é só seu
E que me deixa louca quando me beija a boca
A minha pele toda fica arrepiada
E me beija com calma e fundo
Até minh'alma se sentir beijada

O meu amor tem um jeito manso que é só seu
Que rouba os meus sentidos, viola os meus ouvidos
Com tantos segredos lindos e indecentes
Depois brinca comigo, ri do meu umbigo
E me crava os dentes

Eu sou sua menina, viu? E ele é o meu rapaz
Meu corpo é testemunha do bem que ele me faz

O meu amor tem um jeito manso que é só seu
Que me deixa maluca, quando me roça a nuca
E quase me machuca com a barba mal feita
E de pousar as coxas entre as minhas coxas
Quando ele se deita

O meu amor tem um jeito manso que é só seu
De me fazer rodeios, de me beijar os seios
Me beijar o ventre e me deixar em brasa
Desfruta do meu corpo como se o meu corpo
Fosse a sua casa

Eu sou sua menina, viu? E ele é o meu rapaz
Meu corpo é testemunha do bem que ele me faz.

Chico Buarque

A Falência do Prazer e do Amor

- Amo como o amor ama.
Não sei razão pra amar-te mais que amar-te.
Que queres que te diga mais que te amo,
Se o que quero dizer-te é que te amo?

Quando te falo, dõi-me que respondas
Ao que te digo e não ao meu amor.
Ah! não perguntes nada; antes me fala
De tal maneira, que, se eu fôra surda,
Te ouvisse todo com o coração.

Se te vejo não sei quem sou: eu amo.


Se me faltas [...]
...Mas tu fazes, amor, por me faltares

Mesmo estando comigo, pois perguntas -
Quando é amar que deves. Se não amas,
Mostra-te indiferente, ou não me queiras,
Mas tu és como nunca ninguém foi,
Pois procuras o amor pra não amar,
E, se me buscas, é como se eu só fôsse
Alguém pra te falar de quem tu amas.

Quando te vi amei-te já muito antes.
Tornei a achar-te quando te encontrei.
Nasci pra ti antes de haver o mundo.

Não há cousa feliz ou hora alegre
Que eu tenha tido pela vida fora,
Que o não fôsse porque te previa,
Porque dormias nela tu futuro.

E eu soube-o só depois, quando te vi,
E tive para mim melhor sentido,
E o meu passado foi como uma 'strada
Iluminada pela frente, quando
O carro com lanternas vira a curva
Do caminho e já a noite é tôda humana.

Quando eu era pequena, sinto que eu
Amava-te já longe, mas de longe...


Amor, diz qualquer cousa que eu te sinta!
-Compreendo-te tanto que não sinto,
Oh coração exterior ao meu!
Fatalidade, filha do destino
E das leis que há no fundo dêste mundo!
Que és tu a mim que eu compreenda ao ponto
De o sentir...?

Fernando Pessoa

Fast-Love

Capitalizaram o amor.O amor é parcelado,dividido,taxado, cobra tributo e se der bobeira, seu nome cai na praça, amigo.
O amor de agora é rápido e têm que ser muito bem servido.O Fast-Love.E se não for, dá problema, porque o tempo é curto pra tanto 'vamos conversar' e paciência.
Daqui a pouco surge um novo programa estatal, o Procônjuge.Deu problema,não satisfaz, caiu, estragou? Deixe o amor de molho,reclame, troque,processe e arrume outro.Exerça o direito de consome-dor.O amor de agora é assim, protocolar.
Só fique de olho no tempo, deixe-o À vista.Tempo é capital, o bom capitalista é amoral e o amor se dá despesa, tenha certeza, sai do mercado coronarial.Coração? Não sei se é de Valor.Mas a cotação está boa, sim senhor.
Falta a leveza do amor que manda flores, faz serenata, manda carta e anda de bonde com o outro amor.Que dá tempo ao tempo quando a diferença não dá pé,que não cobra,que não tem cobrador.Falta o amor que trabalha e jamais cansa, só pela recompensa de aposentar a solidão.Falta tempo para o tempo do amor.
O amor é de dar sem vender, de provar sem numerar,de gastar sem poupar.De não volatilizar, de superar a recessão , enaltecer o Hot 'Honey' e ofertar.Neste amor eu invisto, insisto e dou garantia.Mais vale o amor que compensa do que recompensar na mais-valia.

- Ela parece distante

...talvez seja porque está pensando em alguém.
- Em alguém do quadro?
- Não, um garoto com quem cruzou em algum lugar, e sentiu que eram parecidos.
- Em outros termos, prefere imaginar uma relação com alguém ausente que criar laços com os que estão presentes.
- Ao contrário, talvez tente arrumar a bagunça da vida dos outros.
- E ela? E a bagunça na vida dela? Quem vai pôr ordem?


[Le Fabuleux Destin d'Amélie Poulain]

Finalismo

Talvez eu nem precise ir embora.Eu já fui a tanto tempo, querido.Fomo-nos embora um do outro, sem perceber.O que falta é pôr em palavras ,materializar essa verdade tácita.Não nos temos, não nos sabemos e nos amamos sem nos querer.Criou-se um vazio grande dentro, mais do que pudessemos nos preencher .Não sei em que ponto esse laço se desfez, desfez-se a história tão bem contruída, os planos cuidadosamente traçados.Grandes feitos, declarações sinceras, profetizações.Que dizem os astros e ascendentes de signos desse desarranjo? Em que parte do cosmos está a força que nos uniu? Que escreveria um poeta sobre o fim antes do começo? Um ponto, um ponto final.



'Porque o que está para sempre perdido exercerá um eterno encanto...'

Soneto

Eu cantarei de amor tão docemente,
Por uns termos em si tão concertados,
Que dous mil acidentes namorados
Faça sentir ao peito que não sente.

Farei que o Amor a todos avivente,
Pintando mil segredos delicados,
Brandas iras, suspiros magoados,
Temerosa ousadia e pena ausente.


Também, Senhora, do desprezo honesto
De vossa vista branda e rigorosa,
Contentar-me-ei dizendo a menor parte.

Porém, para cantar de vosso gesto
A composição alta e milagrosa,
Aqui falta saber, engenho e arte.

Camões

Meu grande e único amorzinho,

Escrevo estas linhas com incerteza imensa de que elas cheguem até você.A carta chegará, isso se um triste acaso não encontrar meu pobre entregador distraído.A incerteza está entre as linhas e a tua vista já tão fatigada da minha pequenez.Não sei se estas palavras hão de ter forças para vagar o longínquo espaço entre olhos,cabeça e coração.Espero mesmo que chegue ao lugar último...
Não sabes como me angustia não receber notícias tuas, querido.Cismo que não queria que eu as saiba, que eu saiba nada de ti além da tua afeição por mim (da qual por vezes duvido, mas torno a acreditar piamente, já que é isso em ti que me cativa e traz conforto). Vivo a apaziguar conflitos, da parte de mim que quer-te insaciável e da outra, orgulhosa, que te crê inacessível.
Tenho enchido-me de você há dias ( para não dizer semanas ou meses) e sinto que já há pouco espaço em mim para tanto.O peito comprime-se inteiro, como um pequeno novelo, como linhas no carretel.Ajuda-me a costurar o teu no meu? Divide comigo este fazer nó? Iremos fazer disto uma imensa manta, amorzinho, para nos livrar do frio solilóquio e acalentar a vida à dois.
Peço, com meu coração em mãos, que me escrevas.Preciso ver-te, mesmo que em linhas e tinta, tocar-te ao segurar o papel que esteve em suas lindas mãos e imaginar carinhos e beijinhos neste encontro entre mim e suas doces palavrinhas.
'Um beijo só durando todo o tempo que ainda o mundo tem que durar', da tua, sempre e muito tua

Pequena.


(Inspiração? Para Sempre- 50 cartas de amor de todos os tempos.Leia! Vale muito à 'pena':o)

Você bem sabe

Você bem sabe
Que eu não sei te dizer
Tudo o que sinto por você
Mas você bem sabe
Que we always lie
But we can never say goodbye

Você nem sabe
Me dizer o que sentir no coração
Mente sem ter razão
Não vou fugir
Mas não vou ficar
Sempre loving you
Só porque we were so happy

Você não quer dizer que não quer
Mas também não diz
Se é feliz
E tem um novo amor

Vai ou não vai
Que eu vou ou não vou
Seja como for
Com você, sem você
Com você, sem você
A gente tem é que crescer

Djavan/Nelson Motta

'Só tua alma sem tu, só teu pensamento...'

Estou entregando os pontos.Cansei de servir de apoio, refúgio , objeto.Cansei de remediar frustrações sentimentais com novos amores.Mais do que nunca, cansei dessa gente que brinca de sentir, de querer, de ter e não ter.Que engana, que fere sem penar.Estou farta das almas que vem me atormentando.Que me pedem abrigo aqui dentro, e que depois de saciadas, saem sem se despedir.Almas que não conseguem habitar suas casas sujas, não conseguem conviver com a impureza do seu lugar.E cada vez e sempre, me deixo levar e levarem de mim.Minha inocência, minha pureza.E isso é o mais lindo que uma alma pode ter.Ser pura, íntegra, límpida e ser tudo em toda sua extensão.Então, vou negar até o fim as más intenções, os sentimentos voláteis e o deboche de quem não sabe ser, sentir, existir, com a alma.Como alma.

(Revival :)

Caminhos Cruzados

Quando um coração
Que está cansado de sofrer
Encontra um coração
Também cansado de sofrer
É tempo de se pensar
Que o amor pode de repente chegar

Quando existe alguém
Que tem saudade de outro alguém
E esse outro alguém não entender
Deixa esse novo amor chegar
Mesmo que depois
Seja imprescindível chorar

Que tolo fui eu
Que em vão tentei raciocinar
Nas coisas do amor
Que ninguém pode explicar
Vem, nós dois vamos tentar
Só um novo amor
Pode a saudade apagar

Tom Jobim

Deixa esse novo amor...chegar .

Confesso

Eu não posso mais você.Me entende? Eu não posso mais com essa vontade intocável, invisível.Eu quero calor, pele, suor, saliva.Quero sentimento, quero declarações, quero interesse.Olhe pra mim.Estou aqui disponível pra você, correndo riscos por você.Me dê a atenção que eu preciso.Me fale de qualquer coisa, mas não deixe de dizer.Como foi teu dia? O que tens feito? Pra onde olhas? Com quem andas? No que pensas antes de dormir? Em quem...Eu não quero satisfações, não quero ter controle sobre o que é seu.Eu quero saber de você.Ou queria.Ou quero tanto que já nem sei.Olhe pra mim por um minuto agora.Fixamente.Meus olhos..o que lhe dizem?Agora me dê suas mãos.Sinta as minhas.Elas te confortam? Me beije.Meus lábios, que sensações provocam? Que sabor eles tem?Encoste sua cabeça aqui agora, no meu peito.O que escutas? Escutas o mesmo que eu? Entendes o que ele diz? Eu mesma já não o escuto bem.Então, se me EntenDe, fiqUe.Se me escuta, sente aqui.Se sentir, me segure forte.Nem por um decreto, nem suplício me solte.E se não me quiser, só me deixe ir.